Nuno Passarinho é um dos nomes que tenho referenciado na minha lista de jogadores, um dos melhores guarda redes das divisões não profissionais e claramente com qualidade para outras paragens,saiu das distritais para a segunda divisão B e triunfou, se em termos desportivos tudo tem corrido pelo melhor já no aspecto financeiro tem encontrado clubes que raramente lhe pagam o ordenado, aconteceu em Abrantes e agora em Rio Maior.Pode ser considerado um exemplo para os mais jovens, alem do futebol concilia os estudos na universidade de Coimbra, ele é a prova que o futebol não é o mundo cor de rosa que muitos ainda pensam e onde é preciso muita humildade para triunfar.
João Prates- Nuno como é que um atleta sobrevive a tanto tempo sem salários? Tu que alem do Rio Maior ainda tens vários meses a receber do Abrantes.
Nuno Passarinho- Um jogador tem sempre o objectivo de jogar, e joga sempre pelo prazer de jogar e não pelo dinheiro, apesar deste ser uma grande ajuda e uma recompensa merecida. Num trabalho normal pode não existir o prazer de efectuar esse trabalho, e se houver salários em atraso, o trabalhador deixa o seu trabalho imediatamente.Mas existem outros factores que nos fazem sobreviver assim. Por exemplo, quando começa a haver salários em atraso, o jogador já está perfeitamente identificado com o grupo de trabalho e nessa altura não são colegas de trabalho, mas sim amigos. Quando vou treinar, penso que vou jogar futebol com os meus amigos. Era o que acontecia em Abrantes e é o que acontece agora em Rio Maior. É uma enorme motivação no aspecto do grupo de trabalho, e existe um sentimento enorme de entre-ajuda, ou seja, eles não me deixam ficar mal a mim, e eu também não quero nem devo deixá-los ficar mal, em que neste caso "ficar mal" será ficar sem Guarda-Redes para jogar, sou alguém em quem confiam muito e eu confio neles.Depois, os dirigentes desportivos vão sempre dizendo qualquer coisa que nos alimenta a esperança: "É amanhã", "para a semana fica resolvido", "vêm aí uma comissão nova e tem obrigatoriamente que pagar logo", entre outras coisas.
João Prates- Recentemente para viajarem para a Madeira foi o grupo de trabalho que pagou as despesas dessa deslocação, as dificuldades criaram uma grande união no grupo?
Nuno Passarinho- Como disse e tenho dito a toda a gente, estou no melhor grupo de trabalho com quem trabalhei. São pessoas muito humildes e verdadeiros homens em todos os aspectos. Tem sido o grupo de trabalho a segurar as dificuldades, o Rio Maior com outro grupo de trabalho há muito que teria acabado. Realmente, para irmos à Madeira os capitães de equipa tiveram que procurar ajuda dos comerciantes locais, e estes perceberam a gravidade do problema e ajudaram. De salientar que fomos duas semanas seguidas jogar à Madeira, da primeira vez fomos e viemos no mesmo dia do jogo, onde eu e outros jogadores nos levantamos às 3h da manhã para irmos para o aeroporto, e da segunda vez já conseguimos reunir os fundos suficientes para irmos no dia antes.
João Prates- Tu que já vives-te a extinção do Abrantes pensas que poderá acontecer o mesmo á U.D.Rio Maior?
Nuno Passarinho- Esta semana supostamente entra uma nova comissão para gerir o clube. Se estas pessoas não conseguirem dar a volta à situação, irá acontecer ao Rio Maior o mesmo que ao Abrantes. As dificuldades são muitas para todos os clubes, tenho pena do que aconteceu ao Abrantes e gostava que não acontecesse o mesmo ao Rio Maior, já que possui condições excelentes. É um clube que dá pena ver a jogar na terceira divisão com as condições que possui (também sou culpado pelo clube estar na terceira divisão...eh eh).A favor do Rio Maior está o facto deste clube não possuir processos em tribunal por dívidas a jogadores antigos. O Abrantes nesse aspecto estava completamente afundado.
João Prates- Como é que um jogador reage em termos emocionais a estas situações em que não tem dinheiro para pagar as suas contas básicas e ainda consegue jogar futebol e fazer o excelente campeonato que estão a fazer?
Nuno Passarinho- Felizmente a minha mãe tem ajudado bastante para que possa continuar a jogar. Em termos emocionais é complicado porque andamos a suar em nome de um clube que não cumpre com o estipulado. É claro que isto anda sempre presente nas nossas cabeças, mas somos pessoas fortes e conseguimos por isso de lado quando estamos a treinar e a jogar.É claro que as coisas poderiam correr bem melhor se tudo estivesse em dia, ou seja, esta situação afecta sempre, daí a nossa queda no final desta fase do campeonato. Agora vamos para a fase final com o objectivo de subir de divisão e precisamos obrigatoriamente de um balão de oxigénio (que nos paguem os salários). Se vier a acontecer, deveremos fazer uma recta final espectacular.
João Prates- Passando agora para aspectos mais positivos, como foi sair das provas distritais para as nacionais?
Nuno Passarinho- Não nego as minhas raízes, digo a toda a gente que sou jogador de distrital e que até aos 24 anos joguei sempre em pelados. Foi todo esse tempo que me fez crescer como homem e olhar para o futebol de forma séria e cheio de orgulho de estar onde estou. Quando olho para trás não fico triste, antes pelo contrário, feliz pelo meu trabalho ter sido recompensado.Mas voltando a essa fase, há muito que as pessoas me diziam que estava a mais nas distritais e que o melhor que tinha a fazer seria sair dali senão poderia ser tarde. Posso dizer que cheguei a pensar que tinha acabado, que não mais dali iria sair.Quando tinha os meus 20 anos surgiu a hipótese de ir para o Abrantes pela mão do mister José Vasques. O Abrantes tinha subido à terceira divisão. As coisas correram mal e não fui. Ao que parece anotaram mal o meu número de telefone e contrataram outro guarda-redes. Fiquei um pouco triste e revoltado, porque se de Abrantes ao Sardoal (a minha terra) são apenas 10km, se houvesse interesse teriam ido à minha procura. Percebi então que não me queriam em Abrantes, não pelo meu valor, mas sim porque era um jogador do distrital, que tinha sido formado no distrital, o que para a politica do Abrantes da altura era errado.Não desisti, e aos 23 anos o senhor Jorge Santos, nomeado recentemente director desportivo do Abrantes, faz uma pesquisa sobre os guarda-redes mais referenciados e encontra-me na primeira posição dessa lista. Não tem medo absolutamente nenhum de apostar e penso que não o decepcionei em nada. Este senhor foi o único que acreditou em mim e ao qual eu devo tudo.Cheguei às nacionais, continuei a aprender a a ouvir os conselhos dos jogadores experientes, treinadores e cresci como jogador. É esta a minha politica e ainda hoje estou a aprender e a ouvir, para continuar a crescer.
João Prates- Quais as principais diferenças que encontras-te?
Nuno Passarinho- É completamente diferente, existe muita qualidade, rapidez de execução e para vingarmos como guarda-redes temos que ter ainda mais qualidade. Temos que estar muito atentos e concentrados porque qualquer jogador tem qualidades suficientes para nos derrotar. Um lance de bola parada, um lance normal de bola corrida, pode terminar em golo facilmente, porque existe muita qualidade. Uma vez que sou guarda-redes, não posso passar ao lado do jogo e tenho que contrariar da melhor maneira as investidas dos adversários.Ao inicio notei uma diferença enorme em mim, mas em pouco tempo de treinos adaptei-me. Hoje sinto que tenho a qualidade necessária para jogar nestes campeonatos, mas tive que trabalhar para isso.Sempre que nego bolas impossíveis aos meus colegas, eles vibram e por vezes ficam chateados por lhes negar golos certos. É estes desabafos que nos fazem ficar orgulhosos de nós próprios. Este ano desportivo tenho negado imensos golos certos e sinto-me muito importante na estratégia do Rio Maior.
João Prates- Tens 26 anos, muita qualidade, por onde passam os teus objectivos no futebol?
Nuno Passarinho- Quando andava no distrital sonhava ir às nacionais, mas em certa altura julguei impossível. Um ano depois disto estava na 2ªDivisão B. Depois de provar que tinha valor para lá estar fui para a 3ª divisão devido à extinção do Abrantes. Apesar disso até gostei desta divisão, especialmente da série de Lisboa, tem excelentes jogadores, bastante novos e rápidos. São jogadores do Sporting e Benfica que disputam os campeonatos nacionais de juniores, mas depois não são aproveitados pelos seniores e chegam a esta divisão.O meu objectivo a curto prazo é voltar a jogar na 2ªDivisão B. Mas falando com os meus colegas de trabalho, que me dizem que jogaram com A B e C, que estão na Superliga e que eu sou melhor que eles a defender, fazem-me acreditar que talvez lá possa também chegar.Sinto-me feliz e orgulhoso pelo que fiz, onde estou e da divisão em que jogo. Não digo que é um objectivo chegar à superliga porque não penso nisso, nem vivo para isso, mas se houver a oportunidade disso acontecer certamente que vou agarrar essa oportunidade...só mesmo para ficar com essa experiência.
João Prates- Sendo tu guarda redes tens alguém que tentes imitar, quais os teus ídolos?
Nuno Passarinho- Eu sou da geração Vítor Baía, foi a vê-lo defender que aprendi. Nas distritais não existem treinadores de guarda-redes, e para chegar onde cheguei tive que aprender sozinho. Os meus colegas hoje perguntam-me onde fiz a formação, porque segundo eles tenho uma enorme técnica de guarda-redes, mas ficam espantados quando digo que aprendi sozinho e que fiz a formação no Sardoal.Não fiquei obcecado pelo Baía, ao contrário de muitos que conheço. Hoje admiro o Iker Casillas, e essa admiração reside apenas num facto, a capacidade que ele tem para aguentar a posição em que está quando alguém lhe vai rematar uma bola a escassos 5 metros. Também faço isso, ou pelo menos tento.
João Prates- Que conselhos gostavas de deixar para aqueles que se estão a iniciar na modalidade?
Nuno Passarinho- Por este discurso que tenho tido, o segredo de chegar onde cheguei foi acreditar em mim e no meu trabalho. Cheguei a pensar que estava acabado, mas depois consegui. O mais importante é ser uma pessoa humilde e ouvir aquilo que os outros tenham para nos dizer. Ouvir de todos com quem trabalhamos, mesmo de jogadores com qualidade mais fraca há sempre qualquer coisa a aprender. E nunca deixem de acreditar, eu por acaso deixei, mas como não era um objectivo de vida não sofri com isso e continuei a trabalhar.Vou partilhar esta história: Sempre fui um jogador exigente enquanto guarda-redes, fui capitão de equipa e mesmo quando não o era, exigia dos jogadores da minha equipa, ralhava com eles, corrigia posições, obrigava-os a fazerem séries de remates para eu treinar (à sexta-feira chegavam a rematar-me mais de 50 bolas). Aos 23 anos, no meu último ano de pelados, durante um treino, ralhei com um colega meu porque não estava a actuar como devia na sua posição, virou-se para mim e disse-me: "Está mas é calado! Se fosses bom não estavas aqui!". Foi algo que não consegui arranjar resposta, ele tinha toda a razão e mantive-me em silêncio e ele ficou feliz pela resposta. No ano seguinte estava a disputar o campeonato nacional da 2ª divisão B, durante os treinos cruzei-me com esse jogador pois estava numa equipa da Inatel e ia treinar num dos campos do complexo desportivo de Abrantes, cumprimentá-mo-nos e falamos um pouco. Apesar de não ter tocado nesse assunto senti que lhe tinha respondido.
João Prates- Alguma mensagem que queiras deixar aos leitores deste blog?
Nuno Passarinho- Posso apenas dizer que foi um prazer dar esta entrevista ao teu blog, porque devemos estar por dentro dos problemas dos clubes e devemos tentar lutar para reverter esta tendência geral. O jogador é aquele que paga sempre, e os dirigentes esquecem-se que por trás de um jogador está um homem com família e por vezes filhos.Eu sou apenas um caso de entre muitos. Para os leitores que aspiram a ser jogadores, sigam os meus conselhos que poderão chegar longe, aos outros, tenham atenção porque poderão ter filhos e façam aquilo que os meus pais me fizeram: obriguem os vossos filhos a estudar, porque no futebol só alguns é que chegam a ganhar dinheiro a sério. Felizmente, com essa politica, estou a finalizar o mestrado em Engenharia Informática na Universidade de Coimbra.Obrigado.
8 comentários:
Boa entrevista joão, parabens e ao Passarinho tambem, não o conheço mas a forma de estar revelou um guarda redes humilde que nos faz ver que o futebol não é so flores como todos imaginam! cada vez existe mais dificuldades nos clube e o profissionalismo é cada vez mais dificl, em 7 anos de treinador, 4 como profissional e 3 como cordenador de formaçao, so enquanto coordenador o meu ordenado chegava ao fim do més!isso diz tudo! Portugal precisa de novos dirigentes sem utopias de prometerem o que não podem!
boa sorte para ti guarda redes
Excelente entrevista. Um guarda-redes com quem tive o prazer de jogar na mesma equipa durante anos e anos. Intransponível é a palavra que melhor o caracteriza. Boa sorte!
esta entrevista diz a realidade do nosso futebol e ao mesmo tempo é um exemplo para algumas mentalidades que por ai andam, alguns porque lhe devem 100 0u 200 euros já não se dão calados, este que lhe devem segundo percebi quase 2 anos de ordenado joga futebol e de forma humilde reconhece que não abandona os companheiros.
Esta entrevista traz tambem os conhecimentos de futebol a um outro nivel do gestor do blog que com as novas alteraçoes que vão existir em Mora poderia ser a pessoa certa para organizar o clube de uma outra forma, não digo isto pela amizade que me liga ao joão mas pela sua capacidade!
abraço aos dois
grande keeper! a primeira liga espera por ti! se não fosses tu o que seria do Rio Maior
continua
Oh VS é isso,acreditas no pai natal,não!
Não entendi este ultimo comentário mas pronto...deixo aqui uma sugestão ao joão, como gestor dever começar a selecionar melhor os comentários, existe pessoas que so vem aqui lançar veneno e fazer comentários depreciativos, eleva ainda mais a qualidade e começa só a aceitar as opiniões crediveis e voltarás a revista focus! :) porque alguns não merecem os espaço que gastas com eles!
abraço
Concordo inteiramente com o VS joão, ja vi que ai nessa zona algumas pessoas não vão ao blog para dar opinião ou comentar, preferem criar guerras, parece existir pessoas que com nicks discutem assuntos, esses ainda se aceitam porque não ofendem e dão as suas opinioes, agora alguns que ai escrevem julgo que não devias aceitar porque são completamente vazios!
gostei do teu microciclo.
abraço
Boa entrevista joão, parabens e ao Passarinho tambem, não o conheço mas a forma de estar revelou um guarda redes humilde.
O mais importante é ser uma pessoa humilde e ouvir aquilo que os outros tenham para nos dizer.
A humildade não passa só por o futebol.
Humilde. Ah!! Só que com muita areia na cabeça
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